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    InícioOpiniãoOliveira DiasUm dia igual a tantos outros se não fosse o apagão

    Um dia igual a tantos outros se não fosse o apagão

    1. Os alertas ignorados.

    Era um dia como os outros, a rotina habitual passava por levar uma das filhas ao metro, que a levaria ao trabalho em Lisboa, assim que terminasse uma peça documental profissional que tinha em mãos, e repentinamente tudo se apagou, devido a falha de energia, que viria descobrir ser, pelo menos geral no bairro;

    Com isso saímos um pedaço mais cedo, eu e minha filha, e no percurso, a surpresa de passar por uma estação de serviço, habitualmente concorrida por viaturas para atestar combustível, encontrava-se encerrada, a fazer lembrar os tenebrosos tempos do covid;

    A circunstância de encontrar um trânsito caótico, numa zona habitualmente sem histórico de aglomerações de viaturas, em Odivelas, adensou a estranheza do dia;

    Deixada a filha no metro, no regresso a Famões, onde iria almoçar no “companheiro” um restaurante de um sportinguista peculiar, a TSF radio “apagou”, irritado, julgando ser avaria procurei freneticamente outros canais, só a TSF se silenciara, bom pelo menos não era avaria do rádio do carro;

    O espanto de reparar que todos os semáforos estavam desligados, foi grande. Ficava assim explicada a inabitual confusão no trânsito.

    Finalmente chego ao restaurante onde sou informado que não havia grelhados (ali utiliza-se um grelhador industrial elétrico) só comida de forno, pronta desde as 11.30. Pensei, que a falha de energia, afinal ia bem além do bairro do Trigache, enfim venha de lá o peixinho;

    Sentei-me, e enquanto o robalo não caia na mesa, olhei para o telefone, para verificar mensagens e lá tinha uma da minha filha informando que não havia Metro, devido a um apagão. Neste momento dei atenção aos comentários no restaurante, porque dada a sua reduzida dimensão todas as conversas são bem percetíveis, e todos falavam no apagão nacional e até ibérico do momento. Pedi á minha filha que regressasse a casa imediatamente, de táxi ou de uber, mas ela preferiu esperar por autocarro. Anuí, prevendo que esse autocarro não vira tão depressa. Almocei rapidamente e fui busca-la. Cheguei primeiro que o autocarro.

    2. A corrida ás compras

    O ser humano é assim, lida mal com emergências, e assim que se soube de forma generalizada do sucedido, o medo, o receio, e até o pânico, levou a uma corrida aos supermercados e o açambarcamento de bens básicos, onde o papel higiénico não faltou, começou. Longas filas nos mercados, pessoas apressadas no regresso a casa. Nestas alturas todos querem a sua prole em casa. Eu também. Tive notícias que em determinada superfície, ainda tentaram ficar abertos, mas as pessoas começaram a levar as coisas sem pagar, de forma intencional. Adivinhava-se a barbárie, e por isso encerraram as portas. Mas a verdade é que com as máquinas registadoras fora de serviço por falta de eletricidade para funcionarem, dificilmente seria possível realizar vendas. Reparei que só os negócios (mercearias e pequenos mercados) explorados por imigrantes permaneceram abertos.

    3. Regresso ao passado

    A ausência de energia elétrica, no Bairro Novo do Trigache, transportou-me, quase de imediato, 46 anos para trás, para o tempo em que tendo a minha família mudado para o bairro, Famões era á época um reduzido núcleo populacional, aqui e ali bairros clandestinos, com vivendas acabadas de construir, inexistia saneamento básico (esgotos), sem estradas alcatroadas, sem energia elétrica, sem telefones, sem recolha de lixo (nem caixotes havia), só havia mesmo água canalizada.

    A luz obtinha-se de várias formas, um ou outro vizinho com gerador lá conseguia um par de horas com energia para umas lâmpadas e frigorifico, mas a generalidade recorria a candeeiros com pavio embebido em petróleo, velas e mais tarde petromax, uns candeeiros a gaz, e … claro a luz natural.

    Está bem de ver que a “animação”, para além das conversas em família, era o rádio, e para nós, a televisão a bateria, alimentada por uma bateria de empilhador, que o meu pai trazia do trabalho, onde as havia em abundância e lá as carregava também. Aos fins de semana, em minha casa, havia sessões de cinema, ou séries, que passava na TV. Bons tempos.

    Tudo isto porque a energia elétrica ainda não tinha chegado ao Trigache. Durante uns anos foi assim. Sempre que falta a luz acontece-me este “teletransporte” ao passado.

    Nessa altura a dependência da eletricidade era menor, em cada casa havia alfaias e ferramentas para acorrer a todas as necessidades caseiras (bricolage como se chama agora), a geração dos meus pais, sabiam fazer de tudo um pouco.

    4. Fake News

    Absolutamente assustador, é o boato, cuja propagação é mais rápida que a velocidade da luz (299.792 km/hora). Por exemplo na escola Secundária de Odivelas instalou-se o pânico entre os jovens, porque circulava a informação que o País estava sob ataque cibernético Russo, chegando mesmo a existir focos de animosidade para com alunos ucranianos, como se os portugueses estivessem a ser alvo de retaliações por acolher ucranianos. Claro que são coisas de miúdos, mas a crença de estarmos sob ataque russo era sólida, entre os alunos.

    No restaurante onde almocei, como referi, TODOS os clientes, conheciam “alguém” que ouvira “algures” a informação de que estava anunciado este ataque cibernético ou informático oriundo da Rússia, não só á península ibérica, mas a toda a europa. Sim porque os russos, são, segundo eles, o demónio.

    Os meus vizinhos admitiam como muito provável a responsabilidade russa no que estava a acontecer, até porque, vaticinavam, os russos são o demónio.

    A comunicação social que se conseguia apanhar falava em movimentações de navios de guerra russos e a reposta de navios de guerra ocidentais. Cheguei a ouvir que estávamos a um passo da terceira guerra mundial. Outros ainda que o apagão era o resultado de sabotagem, ordenada por Putin. A população ficou em alvoroço.

    5. Tecnologia Obsoleta? (vídeo kill a radionstars)

    Quando jovem lembro-me bem de um “hit” musical, do grupo “The bugles”, cujo título era “Video killed a radio star” (o vídeo matou uma estrela de radio), como que vaticinando a extinção da Radio, substituída pela nova tecnologia, de então, do Vídeo.

    A Rádio, que usa as ondas hertzianas, em ondas curtas, onda média e FM, foi considerada, sobretudo já no século XXI, uma tecnologia condenada por obsolescência, tendo cada menos público, tirando estratos bem definidos de leais ouvintes de uma ou outra rádio, de um ou outro radialista.

    Este apagão, veio demonstrar á saciedade e á sociedade o quanto estava enganado quem assim pensava, e, qual fénix, renascida das cinzas, voltou em todo o seu esplendor. E como. Ele era ver as pessoas dentro dos carros ouvindo radio noticiando informação sobre o apagão, e não só, na corrida ás compras um dos artigos mais procurados eram rádios portáteis, a pilhas, e em casa quem os tinha, a pilhas claro está.

    Este meio de comunicação é único que em situações de catástrofe chega a todo o lado porque o recetor é um simples radio portátil, com pilhas, e o emissor basta ter alimentação de gerador, dito de outra forma basta um único gerador e é para quem emite.

    Os grandes canais de televisão todos eles tinham geradores e conseguiram manter as respetivas emissões, ainda que com alguns constrangimentos, o problema é que os recetores, os aparelhos de TV que temos em casa, não têm suporte de gerador em caso de falha da energia elétrica. Logo bem podiam a RTP, SIC; TVI e por ai fora transmitir que ninguém os conseguia ver e ouvir.

    Comunicações celulares (MEO; NOS; VODAFONE) todas foram soçobrando, tendo sido a primeira a Vodafone (vão ter um problema comercial), e a última a MEO (que logo aproveitou para fazer marketing sobre o facto de estar mais preparada), ma no fim do dia a verdade é que sucumbira, quando era suposto não sucumbir.

    Que saudades dos antigos telefones analógicos, conhecidos pela cor preta, outra tecnologia considerada obsoleta, e que rapidamente foi desmantelada, mas que se existissem hoje, não seriam afetados pelo apagão, porque não dependentes da energia elétrica.

    O Óscar vai mesmo para a Radio e o telefone preto analógico.

    6, Comunicação assertiva precisa-se

    Qual é o primeiro dever de um governo em situações deste calibre? Comunicar e ser assertivo. Comunicar porque a população, mesmo que o governo nada tenha para dizer, quer ouvir a voz de comando, porque só isso confere um certo nível de descanso, e ser assertivo é vital, ou seja, como diz o povo, o governo tem que calçar os sapatos do povo, para entender as ansiedades e as necessidades do povo.

    O que fez o governo? Remeteu-se ao silêncio dos seus gabinetes, seja em São Bento, seja na nova sede da João XXI, de resto como é já sua marca, raramente comunica, e quando o faz é quase sempre tarde, os danos estão feitos.

    Em sua defesa, o governo, respaldado em alguns comentadores de serviço, escudam-se no facto da falta de energia não permitir ir ás televisões, ressalvando que não houve acidentes graves, motins, pânico generalizado, hospitais e serviços fechados, etc, e que no final tudo foi resolvido rapidamente. A infantilidade deste argumento estilhaça-se com a evidência da alternativa, a única, que houve, há e haverá sempre. a RADIO. O Governo tinha de se sentar aos microfones das rádios e comunicar ao País. Não o fez. E felizmente não houve tumultos, mas a ausência disso não apaga o erro comunicacional.

    Durante a segunda guerra mundial Winston Churchil dirigia-se aos seus concidadãos pela rádio, pois sabia que todos o ouviam em qualquer ponto do País.

    “Daqui posto de comando do movimento das forças armadas” frase dita aos microfones da Radio, em 1974, anunciando a TODO o País a revolução dos cravos.

    Só Montenegro não conseguiu usar o mesmo meio que Churchil ou os militares de abril, e surge por volta das oito da noite.

    O Presidente da República, eclipsou-se, esse que noutros tempos “disparava” bitaites mais rápido que a sombra de Lucky Luke, ficou “apagado” no seu palácio de Belém … se calhar a comer pasteis sobrantes da produção matutina.

    7. Aprendizagens

    Em matéria de mitigação de efeitos de um incidente desta magnitude, existem técnicos e especialistas em Portugal á altura da exigência e das soluções que se impõem, e não meto a minha enxada em seara alheia.

    Agora o que nos entra pelos olhos dentro é, ao nível da comunicação, conceber e implementar planos de contingência comunicacionais nacionais, que passem por garantir, na medida do possível, que os órgãos de soberania consigam chegar aos cidadãos, em especial, o governo e os serviços de protecção civil, a fim de comunicar com a população de tempo a tempo (hora a hora) ainda que nada de novo tenham para dizer. As estações de Radio devem estar providas de geradores de apoio, para serem utilizadas para o governo e a proteção civil comunicar com o povo.

    O povo, tudo tem a ganhar se providenciar que lá em casa todos têm um Rádio portátil, de bolso ou de outras dimensões, e que funcione a pilhas, e já agora é da maior utilidade ter algum stock de pilhas.

    As autoridades e as forças armadas, deverão pensar, se não o fizeram já, em possuir sistemas de radio-amadorismo, e geradores nas quantidades e potencias adequadas, para os manter em funcionamento durante vários dias.

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    Oliveira Dias
    Oliveira Dias
    Diretor do canal de notícias Famões TV, é fundador e secretário da direção da APMEDIO e politólogo, tendo contribuído com artigos de opinião variados em diversos órgãos de comunicação social.

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