Não gosto de escrever sobre partidos, em particular, mas os resultados eleitorais destas eleições legislativas, não me deixam alternativa.
O primeiro pensamento que perpassa pela minha cabeça é aquele “chavão” do “a tradição já não é o que era”, que se completa com aquele anglicanismo, (que os gurus dos bitaites, gostam muito, porque pensam que lhes dá um ar assim mais professoral) impõe-se um regresso tipo “back to basics”.
A segregação do espectro político português em dois campos, eminentemente ideológicos, onde á direita se acantonariam uns, e á esquerda, outros, começou o seu declínio, já há muito tempo, no século passado, quando a dinâmica política se foi alterando, ainda que lentamente, para a teoria do grande “centrão”.
Este seria então, já não a cristalização do campo ideológico, fosse á esquerda, fosse á direita, para se posicionar no centro do espectro, da escala, se quiserem, e irem alargando esse espaço, para a direita ou para a esquerda, ou ambas, formando, assim, o tal grande centrão.
Por essa razão o PPD/PSD, deixou cair a sigla de Partido Popular Democrático, metamorfoseando em apenas PSD, O PCP, cuja conotação marcadamente comunisto/socialista soviético, transforma-se em CDU, fazendo vários flik-flak, para disfarçar a coligação que na realidade a sigla representa, o PS, do tradicional punho esquerdo fechado, passa outro tipo de simbologia com letras P e S estilizadas, rosas estilizadas, e até a habitual cor vermelha deu lugar aos fundos azuis, na comunicação política.
Como a palavra dita é muito importante, mas escrita ainda mais importante se torna, imaginem lá a minha estupefação quando certo dia alguém me diz terem vindo uns especialistas do estrangeiro com uma cartilha vocabulária sentenciando que certos vocábulos tinham de ser banidos da comunicação politica, tais como “povo”, “luta”, “esquerda”, “direita”, “greve”, mas as mais graves eram “nacionalismo”, “nacionalista”, “nação”, a fazer lembrar os primórdios da nossa democracia, quando um primeiro ministro tentava substituir um ministro qualquer que se tinha demitido, e lhe propuserem certo cidadão, e ele terá dito, “épá mas esse tipo não percebe nada da matéria desse ministério” lhe responderam “épá isso pouco importa, escolhe-se um qualquer, e depois contrata-se especialistas estrangeiros para lhe fazerem as coisas”.
Enfim o “rebranding” ditado por especialistas em marketing político, impunham as suas modas.
Mas, mal ou bem, as balizas ideológicas ainda eram as linhas delimitadoras das opções dos eleitores, ou seja, primeiro faziam a sua opção pelo campo ideológico do espectro, e dentro deste escolhiam o partido com que melhor se identificavam. Uma boa analogia, são os momentos ou fases daquilo que se faz em Recursos Humanos, primeiro Recrutamento e depois Selecção.
Sucede, porém, que tudo isso se foi esbatendo, e as ideologias não contam mais, a não ser o extremar de posições, para a esquerda, quem não está com eles são fascistas, e para a direita quem não está com eles são extremistas. Foi a este ponto que chegou o espetro ideológico em Portugal, o da intolerância das ideias, das apologias, dos projectos do outro.
Quando, circunstancialmente (sim porque hoje é tudo circunstancial, efémero) uns querem banir o CHEGA, como já aconteceu, quando se impediu o CHEGA ter a vice-presidência do parlamento, ou de se excluir o CHEGA em comitivas da Assembleia da República, ou de montar cercas sanitárias, ou arvorar a lema partidário “não passarão”, corre-se o risco do “feitiço se virar contra o feiticeiro”, e depois? As escolhas do povo, têm de ser respeitadas, caso contrário não nos respeitarão também, e nessa altura será tarde para arrependimentos.
Os partidos estão, assim, transformados genericamente, em clubites, em que o principal argumento é o “porque sim”, variando, em alternância com o “porque não”.
No Partido Socialista, estes “ventos da história” têm feito o seu caminho, com uns a batalhar para manter intacto a matriz ideológica do partido, outros querendo diluí-la em nome de um progressismo do século XXI.
É curioso que o argumento cerne de toda a apologia de cada um é o “superior interesse do país”, é quase como a disputa pelos filhos entre casais desavindos, cada um deles invocando o “superior interesse do menor”, mas sem se darem conta do que realmente a criança quer.
É este, grosso modo, o cenário a que chegamos em matéria de amplitude ideológica dos partidos portugueses. Então, a análise tem de se socorrer da principal razão de ser de um partido.
Hoje parece ter-se obnubilado que a única razão da existência de um partido é a de alcançar e manter o poder.
Ora, atento a esta premissa, será razoável proporcionar a um partido, algo que os eleitores não lhe deram directamente?
Dito de outra maneira: nestas eleições legislativas 3 partidos (PSD, PS e CHEGA) tudo fizeram para conquistar o poder, ou seja, Governar Portugal.
Antes mesmo do escrutínio havia um resultado cuja probabilidade era tipo 99,99% – um dos três iria ficar em primeiro lugar em votos conquistados. Mas isso, como sabemos, e já vimos no passado, não define nada.
Desta vez foi o PSD, seguido do PS e do Chega, por esta ordem, apesar do método de Hondt resultar em igualdade de deputados, para PS e CHEGA (veremos os resultados da emigração que ainda não conhecemos).
Encontrada, então, a priorização da lista do escrutínio (1º, 2º e 3º), cada um deles com mais de 1 milhão de votos (1 milhão e 950 mil, 1 milhão e 394 mil, e 1 milhão 345 mil, respetivamente), quem conquista o poder “de per si” com estes resultados?
NINGUÉM.
O PSD com os seus quase 2 milhões de votos, não consegue de “motu próprio” conquistar o poder. O PS falha nessa conquista, bem como o CHEGA.
Assim o PSD precisa dos votos de terceiros para atingir o seu objetivo maior, dito de outra forma, o PSD precisa de votos que os eleitores entregaram a outros.
Mas, ao mesmo tempo que o PSD diz “olha lá dá cá os teus votos”, adianta logo para início de conversa “que nada dá em troca”.
É legitimo que os restantes partidos viabilizem o governo de um partido que sozinho não o conseguiu, mas na base de compromissos, escorados numa plataforma de entendimento comum. Não é o caso. O PSD não quer ninguém do CHEGA, no governo, nem sequer um acordo de incidência parlamentar, com este partido da sua área do espectro político (direita), e ainda se dá ao luxo de exigir ao PS que seja a sua muleta.
Pasme-se, com as declarações de vários dirigentes do PS e figuras com presença assídua nas Tv’s, instando o PS a viabilizar mais um governo do PSD, ou seja, estas “vozes” com tempo de antena televisivo, acham normal que tendo o PS falhado na conquista do poder, deve pegar nos votos que lhes confiaram os eleitores, para uma finalidade determinada, – a conquista do poder – e emprestá-los ao PSD, sem cuidarem de saber se os seus eleitores aceitam ou não.
Ademais esta fórmula foi a usada na anterior legislatura com os dramáticos resultados que se obtiveram. Ou seja, a realidade impôs-se.
Na estratégia, quando as apostas em determinados pressupostos se apresentam consequentemente errados, então a sua continuação vai produzir exatamente os mesmos resultados.
Como se não bastasse, as mesmas vozes vão ao ponto de defenderem que o congresso clarificador se projete para depois das eleições autárquicas, o que significa que o Partido Socialista se vai apresentar ás autárquicas sem líder, não fosse esta tonteria tão distópica e seria caso para “morrer a rir”.
Um exército sem general, não é um exército, é um aglomerado de cabeças, e cada uma a sua sentença.
Achar que o PS não consegue fazer um congresso, ter um líder que prepare as autárquicas, no tempo disponível, é passar um atestado de incapacidade, e a mensagem que transmite ao povo é esta: se calhar é mesmo melhor escolher outro. Aliás esta mensagem já é subliminar naquelas vozes que defendem competir ao PS ser muleta de quem não conseguiu sozinho conquistar o poder.
Se assim for, nas autárquicas, porque razão há-de o povo votar PS, se este está sempre disposto a emprestar os seus votos? Mais vale, então, pensará o eleitor, dar o voto a quem melhor uso possa dele fazer.
A conclusão óbvia, se esta sandice for para a frente, é que mais vale, então, fechar a porta.
Um partido que não desiste de lutar, conserva o que lhe confiaram, e vai á luta convencer mais e mais cidadãos.