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    A imprensa regional anda a definhar há 50 anos


    No seguimento dos artigos onde falei e continuarei a falar sobre o jornalismo regional, temos que, sem sombra de dúvida, dedicar um capítulo para falar da forma como os órgãos de comunicação social regionais se formam e gerem, bem como também escamotear o que de facto está mal e devia ser corrigido, no que concerne ao financiamento das empresas que gerem os títulos de comunicação.

    Primeiramente, temos de entender que os órgãos de comunicação regionais, antes de o serem, em primeiro lugar são empresas, ou outra qualquer forma jurídica fiscal, devidamente legal e autorizada. Depois de devidamente constituído o veículo comercial e fiscal, inicia-se o processo de registo junto à ERC, do novo órgão de comunicação pretendido. Após a aprovação, pode-se iniciar o trabalho de comunicação, seja em que formato for, através de texto, áudio, som, televisão, no online, impresso, ou em ambos.

    O problema começa após 6 meses, em que e por via da dimensão da maior parte dos órgãos de comunicação regionais existentes, (arrisco dizer talvez mais de 80%), não existe capacidade financeira para criar uma estrutura comercial que traga retorno para a empresa detentora do título em atividade (salvo obviamente alguns títulos que o conseguem, felizmente). A parca publicidade angariada depressa se esgota, e o jornalismo regional não sendo apoiado estatalmente ou localmente, pelo trabalho que faz, sendo a primeira linha de uma democracia sã (dizem os entendidos), na minha opinião cada vez mais instável, não resta outra hipótese que é a de começarem a criar buraco financeiro, fechando a atividade algum tempo depois, ou mesmo emagrecerem o título para os serviços mínimos, ansiando que alguma coisa vá mudar no futuro.

    Isto, caros leitores e colegas, advém da má regulação do setor por parte do estado, bem como de uma política de apoios financeiros, quase em exclusivo para os órgãos nacionais, em detrimento dos regionais. Aplaude-se o trabalho do jornalismo regional, no levantamento de questões fundamentais, na divulgação do que de melhor se faz, semanalmente, nos concelhos, mas depois não se criam mecanismos de apoio financeiros. Pede-se que façamos gratuitamente este trabalho, sem pensarem que existem custos e nem sempre a publicidade angariada cobre os custos de exploração (ordenados, equipamento, rendas e gestão diária).

    “Isto, caros leitores e colegas, advém da má regulação do setor por parte do estado, bem como de uma política de apoios financeiros, quase em exclusivo para os órgãos nacionais, em detrimento dos regionais”

    A publicidade nacional privada, raramente baixa aos regionais, fruto de e mais uma vez, uma má regulação do setor. Eu percebo que não caiba ao governo dizer às empresas que tem de gastar determinado valor no jornalismo regional, pois sendo empresas privadas, não se pode, de modo algum, condicionar a liberdade de escolha dos veículos publicitários que usam para divulgar os seus produtos, mas o governo também pode recusar determinadas adjudicações, mediante determinados posicionamentos. Ou não? Conhecem o regulamento que obriga as rádios (públicas ou privadas) a passarem uma determinada percentagem de música portuguesa, em função da que não é? Neste caso, e a bem da música portuguesa, o governo impõe esta condição. Porque não e em defesa do jornalismo regional, também impor-se que as empresas que trabalhem para o estado (central ou local), e nos seus orçamentos de marketing, terem de cativar uma verba para apoiar a imprensa regional? É assim tão censurável? Penso que não e resolveria uma grande parte dos problemas neste setor.

    A somar ao problema de uma prática já enraizada, de que raramente as marcas nacionais estão presentes nos órgãos regionais, pelo menos com alguma expressão, é o próprio governo que não dá o exemplo. O valor que cativa anualmente para adjudicar publicidade no setor regional da comunicação, raramente tem uma execução que ultrapassa metade do previsto, simplesmente porque os ministérios e as secretarias de estado estão-se nas tintas. É mais confortável e rápido negociar com 4 ou 5 grupos que detém 80% dos órgãos nacionais, a terem de construir uma plataforma que vise trabalhar com o setor regional. O mais caricato é que a verba para o regional, em larga medida, nada tem a ver com as verbas para o nacional (falo apenas de publicidade, nada mais). Ou seja, se determinado ministério não gastar a verba afeta ao setor regional, simplesmente essa verba não transita para outra rúbrica, dando-se, no final do exercício, como não executada, figurando nas contas do governo, na rúbrica da não execução orçamental, no final do ano. Interpelando-se estes senhores dos ministérios, sobre a razão destes procedimentos em relação ao setor regional, têm a devida lata de dizer que os jornais regionais é que não se aproximam e não enviam propostas. Em 2022,2023, 2024 e 2025, tive o cuidado de contatar 8 ministérios e 4 secretarias de estado, bem como 23 institutos públicos (fiz isto todos os anos), que dependem do orçamento de estado, nomeadamente e no que concerne à rúbrica da publicidade. Em 4 anos de contatos, em mais de 150 e-mails e 65 chamadas feitas, o resultado foi ZERO. Nem uma adjudicação, nem um pedido de orçamento, e a taxa de ausência de respostas por parte dos destinatários, ronda os 95%.

    Com isto não digo que não existam órgãos regionais que fazem adjudicações ao estado, mas são muito poucos, contando-se pelos dedos. Nas adjudicações ao poder regional (quase em exclusivo às câmaras), existe uma inversão de 180 graus. As câmaras continuam a ser ainda o maior cliente da imprensa regional, embora, na minha opinião, terá de se regular o acesso a essas adjudicações, no sentido de permitir uma maior clareza que possa tornar mais independente a relação de certos órgãos com o poder local. Mas isto dá outro artigo!

    Mas como já referi em artigo anterior, receio que esse trabalho seja para meter na gaveta”

    No governo anterior, iniciou-se um trabalho com o ex-secretário de estado (agora Ministro) e mesmo com o Ministro da tutela da altura (agora candidato à CM do Porto), e embora não seja ainda a solução perfeita, é um começo. Mas como já referi em artigo anterior, receio que esse trabalho seja para meter na gaveta, se o setor regional não se mexer, organizar-se e começar a fazer algum barulho.

    Tem de se perceber que ao governo em exercício (qualquer um), não interessa reforçar os poderes dos jornalistas. Governos caem e são eleitos em Portugal e no mundo, muito devido à ação de um verdadeiro jornalismo independente, que denuncia o que mal está e consequentemente faz cair secretários de estados, ministros e governos. Como os governos não podem tocar nos nacionais, exercem uma espécie de vingança nos regionais. Vão dando umas migalhas de vez em quando (e às vezes uns doces), mas o verdadeiro manjar dos deuses é sempre para os mesmos.

    Há que rapidamente alterar esta política. Nos últimos 20 anos fecharam mais de metade dos títulos regionais e neste momento mais de 80% do que existe ainda em atividade encontra-se com grandes dificuldades de solvência.

    Há que fazer um trabalho urgente de sensibilização da opinião pública. Somente com quem nos lê, vê e ouve, podemos ter força.  Quem nos lê, vê e ouve diariamente, são os que votam, são os que têm opinião na sociedade e são aqueles que serão a nossa força futura. Há que os trazer para o problema, explicar o que está mal e fazer dessas pessoas parte da solução.

    Por outro lado, temos de unir o setor, identificar os pontos fracos, apresentar propostas e traçar estratégias. Basta de falarmos para dentro e muitas vezes entre os dentes, com a boca meio fechada.

    “No nosso setor, infelizmente, também temos indivíduos que não prestam, que se vendem ao poder em troca de algumas benesses exclusivas, para que paralisem o nosso setor”

    No nosso setor, infelizmente, também temos indivíduos que não prestam, que se vendem ao poder em troca de algumas benesses exclusivas, para que paralisem o nosso setor e incrementem uma política de demagogia estruturada, adiando dessa forma posicionamentos que há muito deveriam estar no terreno. Esses indivíduos têm de ser também postos fora das estruturas associativas, denunciados e se for caso disso processados judicialmente. O setor do jornalismo regional tem de se purgar para renascer.

    Somos muito pequenos separados, mas muito fortes juntos.

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    José Vieira
    José Vieira
    Desde muito novo ingressou no mundo da comunicação social, em órgãos regionais, tendo sido fundador e diretor de 7 títulos, sendo atualmente diretor do jornal regional Aveiro TV e da rádio regional N16. É também Presidente da Mesa da Assembleia da APMEDIO (Associação Portuguesa dos Média Digitais Online).

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