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    As palavras têm História — e nós esquecemo-nos disso

    Quantas vezes usamos expressões como “Maria vai com as outras” ou “ficou a ver passar navios” sem pensar no que realmente significam? A verdade é que muitas destas frases feitas, que hoje usamos no dia a dia quase por hábito, nasceram de momentos marcantes da História de Portugal. E se quisermos que as novas gerações percebam que a língua é um espelho da nossa identidade, temos de lhes contar estas histórias — simples, vivas e com verdade.

    Quando dizemos que alguém é uma “Maria vai com as outras”, estamos a usar o nome da rainha D. Maria I, que enlouqueceu depois da morte do filho. Durante o exílio no Brasil, a rainha passeava com as damas da corte e o povo, ao vê-las, dizia “lá vai a Maria com as outras”. Com o tempo, esta imagem tornou-se sinónimo de quem segue sem pensar. Não é bonito, mas está carregado de História.

    “Foi para o maneta” é outra pérola esquecida. Durante as invasões francesas, chegou a Lisboa um oficial que, além de ser implacável na justiça, tinha só uma mão. Quem caía nas suas mãos estava perdido. A expressão sobreviveu como forma de dizer que algo já não tem volta a dar — perdeu-se, estragou-se, foi-se.

    E quando dizemos que alguém “ficou a ver passar navios”, estamos, sem saber, a repetir uma cena de 1807. As tropas de Napoleão chegam a Lisboa, mas já é tarde: a Família Real está a embarcar para o Brasil. Os franceses nada puderam fazer — ficaram a olhar o Tejo e os navios a afastarem-se. É isso mesmo: uma oportunidade perdida à frente dos olhos.

    Já a expressão “rés-vés Campo de Ourique” vem do grande terramoto de 1755, que destruiu Lisboa, mas deixou praticamente intacta a zona de Campo de Ourique. Foi por pouco. Rés-vés. Desde então, diz-se assim quando escapamos por um triz.

    E quando algo nos choca mesmo a sério, dizemos que “caiu o Carmo e a Trindade”. Voltamos ao mesmo terramoto. Dois conventos enormes — o do Carmo e o da Trindade — ruíram com estrondo. A imagem ficou. Hoje, usamos a expressão como exagero dramático, mas esquecemo-nos de que nasceu do colapso físico e simbólico da capital.

    Tudo isto mostra que a nossa língua é uma herança viva. Está cheia de pequenas janelas para o passado, prontas a abrir-se se alguém tiver a chave certa. E essa chave é a explicação. Se quisermos que os mais novos conheçam e respeitem a nossa História, temos de começar pelas palavras que já usam. Não basta ensinar datas e factos — é preciso mostrar que até no modo como falamos há batalhas, reis, terremotos e travessias do Atlântico.

    A língua portuguesa é um museu em movimento. E todos os dias entramos nele sem bilhete, sem guia, sem atenção. Talvez esteja na altura de o iluminarmos por dentro — não com holofotes, mas com histórias. Porque se há algo que merece ser passado à frente, não são só os manuais: são as palavras que dizem quem somos.

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    Paulo Freitas do Amaral
    Paulo Freitas do Amaral
    Docente universitário e do ensino básico e secundário, historiador e político português e é descendente da família real portuguesa, de Pedro Rodrigues do Amaral, conde palatino e colaborador do Papa (séc. XV).

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