Constituição da República Portuguesa, Parte I, Título II, Capítulo I, Artigo 26.º
(Outros direitos pessoais)
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
Lusíadas, Luís Vaz de camões: CANTO I – ESTROFE 22,
Estava o Padre[1] ali sublime e dino[2],
Que vibra os feros[3] raios de Vulcano[4],
Num assento de estrelas cristalino,
Com gesto alto severo e soberano.
Do rosto respirava um ar divino,
Que divino tornara um corpo humano;
Com uma coroa e cetro rutilante,
De outra pedra mais clara que diamante.
Calem-se, pois, os políticos, calem-se os agentes desportivos, calem-se os alcoviteiros, calhandreiros, e maldizentes, calem-se todos e vejam, que no Olimpo, intocáveis são os que lá estão com o Pai, e cá em baixo[5] os INTOCÁVEIS, são esta gente, os – HUMORISTAS – pináculo da sátira, cavalgando o humor, ácido, como convém, pois os “likes”, os “gostos” enfim a fama, assim o exigem, e as redes sociais, “Óo, sim as redes, podcasts e afins”, esses meios que alimentam a existência de gente de tal calibre, qual seiva regeneradora, do caule, á folha, não importa se da urtiga se da rosa com espinhos.
Estes, os humoristas, são os intocáveis, mal o sabia o grande vate da língua portuguesa – Luís Vaz de Camões -a achar que eram só os do Olimpo.
Instalou-se no “status quo” vigente, a ideia, alcandorada a mito, que afinal o lema “somos todos iguais … mas uns mais iguais que outros”, se aplica a uma profissão, a quem se tributa uma espécie de inimputabilidade, naquilo que fazem, dizem, ou verberam, seja em forma de apodo, ou não, até porque isso depende da perspetiva de cada um, neste sentido: para os humoristas determinada verborreia é inofensiva, para os visados é ofensivo, e muitas lesivo do seu bom nome e ou reputação, e vastas vezes o impacto ofensivo cilindra, qual buldózer, a família, os amigos os mais próximos dos visados.
Vem isto a propósito de uma peça de “humor” protagonizada por Joana Marques, cujas vítimas foram os “Anjos”, numa sátira da “humorista” a um trabalho dos cantores, consubstanciado numa interpretação muito própria do hino nacional, num evento desportivo.
Para a humorista, que se sente intocável, afinal faz parte dos inimputáveis utilizadores profissionais da “liberdade de expressão”, a coisa não passou de um gozo, para troçar, ridicularizar, ou achincalhar, os irmãos cantores. Provavelmente não é fan dos rapazes, ou não vai á bola com as suas canções, ou até, concedo, não gostou do modo como eles cantaram o hino nacional, ou para considerar todas as opções nem gosta do hino nacional.
Não interessa. O que interessa é que a “arte” de joana teve um efeito devastador nos irmãos. Pudera, hoje as redes sociais exacerbam qualquer coisa, para o bem e para o mal.
Coloca-se a questão: deve um humorista preocupar-se com o impacto daquilo que faz?
O Ricardo Araújo Pereira acha que não. Para ele a Joana pode disparar toda a espécie de dislates, sem ser responsabilizada pelas consequências que daí resultarem, porque, segundo diz, a culpa é das pessoas que interpretam a coisa. Ainda achou ser a oportunidade de troçar dos ofendidos, dizendo que quem se ri deles paga 1 milhão, montante da indemnização que os cantores reclamam da humorista, mas se os ameaçarem de morte, numa alusão ás ameaças que os cantores receberam, não acontece nada, porque, segundo Ricardo, os “anjos” não processaram quem os ameaçou. Para Ricardo, era o que faltava se um humorista agora tivesse de ponderar se uma “piada faz doi, doi”. Conclui, pois, que este julgamento é uma perda de tempo. Que se lixe os prejuízos causados pela piada, é esta a linha de pensamento deste humorista.
Já para o humorista Alvim, outra testemunha arrolada pela humorista Joana, os cantores estão mais feridos (no orgulho próprio) do que lesados, e este julgamento é uma pura perda de tempo. Que se lixe os prejuízos causados pela piada, é esta a linha de pensamento deste humorista.
Outros humoristas, e colegas da Joana, na radio onde grava o podcast, alinharam pelo mesmo diapasão, referindo que afinal esta é a profissão dela, e que este julgamento é uma pura perda de tempo. Que se lixe os prejuízos causados pela piada, é esta a linha de pensamento destas personagens.
Pilatos também lavou as mãos, como que eliminando, com a água, a consequência do seu acto.
Então, a ser assim, os humoristas e Pilatos são iguais, lavam as mãos, e furtam-se ás consequências dos seus actos.
Mas repare-se na mensagem subliminar que os humoristas enviam a quem tem como função julgar – o Tribunal – proclamaram que o julgamento era uma perda de tempo. Se isto não é uma pressão ilegítima sobre os juízes, então não sei o que possa ser.
Os senhores juízes que se cuidem, pois para quem se considera inimputável, e que tudo podem, desde que com humor, ainda podem ser os próximos visados por estes profissionais da liberdade de expressão.
É curioso, o que diz Ricardo, pois lembro-me bem, do tempo dos “gatos fedorentos” de um sketch que fizeram parodiando com um massacre havido numa escola nos Estados Unidos, perante o riso desabrido de toda uma plateia. Fiquei, então estarrecido. Nada aconteceu, afinal “aquilo” era Humor.
Ficamos a saber que para o humorista, o humor não deve ter limites de nenhuma espécie, é uma liberdade de expressão apodítica. São, de resto, os únicos a quem tudo é tolerado, mesmo o intolerável, afinal o “seu” palco é o reflexo do Olimpo.
Outros, no passado, em Portugal, também tiveram os seus embates com a sociedade, desde logo Herman José, um humorista a quem tudo se lhe permitia, e que resolveu gozar com a “última Ceia”. Foi violentamente criticado e, posteriormente, criou a figura do “Diácono Remédios”, este já com graça, sem ser grosseiro. Este tipo de humor é inteligente. Mas, como se vê, atualmente, não está ao alcance de todos.
Lá fora o exemplo mais doloroso foi a satirização de Maomé, pelo jornal Charlie Hebdou, com consequências mortais. Se tem sangue, então não é humor. Se o humor mata, então deve ser erradicado.
Veja-se o resultado de se brincar com a religião na Turquia, onde foram presos jornalistas de um jornal satírico por causa de um desenho do profeta Maomé.
Com a religião não se brinca, não se goza, não se achincalha. Respeita-se e ponto final.
E aqui chegados tenho para mim, que um limite ao humor, para além do bom nome e dignidade da pessoa, plasmada na Constituição da República Portuguesa, é obviamente, a religião. Quando o humor entra no domínio da religião, o humorista tem de se preparar para encomendar a alma ao criador.
Não interessa se está certo ou errado, o que interessa é que é assim, goste-se ou não.
A liberdade de expressão não pode ser um livre trânsito para ridicularizar quem queremos, de forma pública, e muito menos nas redes sociais.
Todas as classes profissionais, incluindo os humoristas, têm de se sujeitar ás mais elementares regras de urbanidade.
E não me venham com teorias, que apesar de tudo, até mostra algum grau de cultura, como o exibido pelo Ricardo humorista, quando, em jeito de justificação trouxe á defesa dos humoristas as “Cantigas de escárnio e mal dizer”, forma de poesia trovadoresca, que utilizava a ironia e sarcasmo, para expressar descontentamento, no seio da cultura galaico-portuguesa, como se os humoristas atuais fossem líricos, da poesia moderna.
Se uma “cantiga de escárnio e mal dizer” tivesse impacto na vida de alguém, ainda por cima figura pública, o “poeta” de então, arriscava-se a ser agrilhoado e lançado numa qualquer masmorra.
Nos tempos medievos da lírica galaico-portuguesa em causa, os únicos com permissão para troçar, até do próprio Rei, eram os bobos da corte, mas ainda assim, tinham de ter cuidado para não esticar acorda … azares aconteceram.
Nos tempos hodiernos é fácil percecionar que o humor é vastas vezes utilizado como arma de ataques pessoais, de vendettas disfarçadas de piadas dói-dói, e depois, perante as consequências, rasgar as vestais, quais vestais do templo, fazendo apologia que isto é arte, isto é liberdade de expressão.
Como dizia um ignoto poeta “a folha é branca, a tinta é preta, e o disparate é livre”, mas esta frase é uma critica e não uma apologia. Percebamos isso. Ou como diz a sabedoria popular “ou há moralidade, ou comem todos”.
[1] Padre = Pai, numa referência a Zeus, Deus dos deuses, no Olimpo, também designado na grafia grega como Júpiter.
[2] Divino
[3] Poderoso
[4] Deus do fogo romano artesão dos raios usados por Jupiter
[5] Tal como é em cima, o é cá em baixo, máxima de Hermes Trismegisto, da escola hermenêutica dos mistérios.