Há imagens históricas que, por se repetirem até à exaustão, parecem dispensar explicação. O retrato de Napoleão Bonaparte com a mão direita enfiada no casaco é uma dessas. Basta evocar a figura para que a pose surja, quase automática, na nossa imaginação: o bicorne ligeiramente inclinado, o olhar determinado e… a mão no peito. Mas porque razão o imperador francês aparece assim em tantos retratos?
Ao longo dos últimos dois séculos, duas teorias principais foram ganhando forma — uma médica e outra cultural.
A primeira, e talvez a mais romantizada, sugere que Napoleão sofria de um problema gástrico crónico. Alguns historiadores falam em úlcera ou gastrite, outros em colelitíase. A postura com a mão junto ao abdómen seria, portanto, uma forma instintiva de aliviar a dor ou, pelo menos, de disfarçar o incómodo durante longas sessões de pose para os pintores. É uma leitura que humaniza a figura: por detrás do general que redesenhou a Europa estaria um homem que convivia com o sofrimento físico.
A segunda explicação, mais aceite pela história da arte, aponta para um código de etiqueta pictórica herdado do século XVIII. Nos retratos formais, sobretudo de figuras políticas e aristocráticas, era comum representar o sujeito com a mão parcialmente oculta no casaco. O gesto era entendido como sinal de compostura, autocontrolo e nobreza de espírito. Não era exclusivo de Napoleão; aparece em retratos de George Washington, de políticos britânicos e até de alguns estadistas portugueses da época. A mão escondida simbolizava modéstia — não exibir as mãos era, de certo modo, não exibir a ganância.
Entre a dor no estômago e o protocolo do pincel, talvez nunca saibamos qual a verdadeira razão. O mais provável é que ambos os fatores se tenham cruzado: um imperador que conhecia as regras de representação da sua época, mas que também não estava imune aos males do corpo. No fim, o gesto sobreviveu ao homem e tornou-se ícone. E como todos os ícones, é ao mesmo tempo verdade e mito — com Napoleão, a linha entre os dois sempre foi mais ténue do que gostaríamos de admitir.