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    Quando Portugal provocou a criação de Wall Street

    Após expulsar holandeses e judeus do Brasil no século XVII, Portugal desencadeou uma migração que levou à construção da muralha que deu nome à famosa rua de Nova Iorque.

    Poucos nova-iorquinos sabem que a famosa Wall Street, coração financeiro do mundo, nasceu de um episódio que começa em Portugal. Mais precisamente, no Brasil, no século XVII, durante as guerras que se seguiram à separação da Coroa portuguesa da monarquia espanhola.

    Entre 1580 e 1640, durante a União Ibérica, Portugal e Espanha eram governados pelo mesmo rei. Foi nesse período que a Holanda, então em ascensão marítima, aproveitou para atacar os territórios ultramarinos ibéricos. No Brasil, a cobiçada capitania da Baía de Todos os Santos, com a sua capital Salvador, era um dos maiores centros comerciais do mundo: açúcar, tabaco, madeiras exóticas e escravizados africanos circulavam em volumes colossais.

    Os holandeses ocuparam partes estratégicas do Brasil, com apoio de comerciantes e de comunidades judaicas sefarditas que, fugindo da Inquisição, encontraram refúgio nos Países Baixos. Entre 1624 e 1625 chegaram mesmo a tomar Salvador até serem expulsos por uma armada luso-espanhola. Essa derrota marcou profundamente a memória militar holandesa.

    O grande golpe viria depois de 1640, quando Portugal recuperou a independência. Já sem o escudo da Espanha, Lisboa agiu rapidamente para garantir as suas colónias mais lucrativas. Em 1645 deflagrou a Insurreição Pernambucana, que culminou, em 1649 e 1654, na derrota holandesa em batalhas decisivas como Guararapes. Perante o avanço luso-brasileiro, holandeses e aliados judaicos abandonaram as suas possessões no Brasil.

    Muitos procuraram novos horizontes. Alguns foram para Curaçao, ilha das Caraíbas ainda hoje sob administração neerlandesa. Outros seguiram para a Nova Amesterdão, a futura Nova Iorque. Chegaram com experiência comercial, redes internacionais e a noção de que, num território exposto, era preciso defender-se. E, na mente de muitos, a última grande derrota que haviam sofrido tinha sido às mãos dos portugueses, em Salvador da Baía.

    Assim nasceu a “Wall” de Wall Street, uma paliçada erguida pelos colonos holandeses, entre eles famílias judaicas vindas do Brasil, para proteger a pequena povoação não apenas de ataques indígenas e ingleses, mas também do eventual regresso de inimigos como Portugal. A muralha foi demolida em 1699, mas o nome ficou.

    O curioso é que esta ligação luso-brasileira a Nova Iorque não se resume à muralha. Entre os refugiados que chegaram à cidade estavam comerciantes que levaram consigo a cultura e o comércio do açúcar do Brasil, o que ajudou a moldar os hábitos de consumo da América do Norte. A doçaria à base de melaço, ainda popular em certas regiões, é um vestígio silencioso dessa herança portuguesa.

    Da Baía de Todos os Santos ao coração de Manhattan, a história é um lembrete de que o mundo globalizado não começou no século XXI. Começou nas caravelas, nas batalhas e nas migrações forçadas de um império que, com coragem e estratégia, moldou continentes inteiros.

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    Paulo Freitas do Amaral
    Paulo Freitas do Amaral
    Docente universitário e do ensino básico e secundário, historiador e político português e é descendente da família real portuguesa, de Pedro Rodrigues do Amaral, conde palatino e colaborador do Papa (séc. XV).

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