Foi com apreensão e preocupação que a Ciclaveiro recebeu a notícia do Jornal Público sobre os dados do Censos 2021

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O que estes dados nos mostram é o resultado de uma ausência total de políticas públicas integradas que promovam os modos de deslocação mais eficientes e sustentáveis (andar a pé, de bicicleta e de transporte público) e uma aposta clara na promoção e incentivo ao uso do automóvel privado.

Esta tem sido uma grave omissão nacional (apesar das metas de descarbonização a que o país se vinculou internacionalmente, das estratégias nacionais definidas, dos estudos, das intenções e promessas e da imensa propaganda política à boleia da necessidade de combate às alterações climáticas e da tão verbalizada sustentabilidade) e uma clara opção política local (ainda que as autarquias façam de conta que apostam na mobilidade ativa com criação de zonas de coexistência onde em muitos casos percepção de insegurança rodoviária até aumenta, apelos tímidos ao uso do transporte público que não existe ou funciona mal, construção deficiente, insegura e retalhada de ciclovias e oferta de bicicletas para as crianças dentro das escolas sem que nos percursos para a escola tenham sido criadas condições de segurança para pedalar ou adoção de medidas reais de desincentivo ao uso do automóvel).

No distrito de Aveiro, com uma longa tradição e cultura associadas ao uso da bicicleta, perderam-se mais de 1/3 dos utilizadores nas deslocações diárias e o uso do automóvel privado aumentou entre 65% a 75%.

Estes números são preocupantes do ponto de vista da vida coletiva e, em particular, nos centros urbanos. Continuamos a assistir impávidos aos problemas de congestionamento, insegurança, poluição, ruído, espaço público ocupado por automóveis privados e contínua insuficiência do espaço disponível para acomodar o número de carros que entram e estacionam desordenadamente na cidade, com prejuízo para os peões, as crianças, os idosos e os cidadãos com mobilidade reduzida.

Estes dados devem servir para questionar que futuro queremos e o que devemos exigir de quem tem o poder de decidir.

Aveiro, conhecida pela cidade das bicicletas, em grande parte devido ao sistema inovador em Portugal de bicicletas partilhadas – a tão famosa BUGA -, mantém hoje apenas a fama e o discurso panfletário de marketing turístico, numa vertente de uso da bicicleta em tempos de lazer, para o que foram investidos fundos em infraestrutura segura e dedicada (ciclovia da Rua da Pega e vias cicláveis da Grande Rota da Ria de Aveiro).

Já não tem sido assim no que se refere a investir em infraestrutura adequada a incentivar o uso da bicicleta para deslocações diárias no centro de uma cidade com cerca de 3km de diâmetro, onde a maioria das deslocações são curtas e podem ser feitas a pé ou de bicicleta.

Nem tem sido assim nas ligações entre o centro da cidade e as freguesias limítrofes, separadas por uma via rápida, insegura e congestionada de carros, que batizaram de Avenida Europa.

E não tem sido assim nas ligações entre as zonas habitacionais e as zonas industriais, onde ocorreram intervenções recentes e que foram uma oportunidade perdida para criar excelentes condições de segurança, conforto e incentivo para os modos suaves, optando-se por erros de infraestrutura que comprometem os próximos anos com execuções pontuais de pintura de passeios e colocação de sinalização vertical.

A Ciclaveiro tem, ao longo dos últimos anos, apresentado propostas, contributos, sugestões, medidas concretas, como, por exemplo, a proposta alternativa ao perfil da Avenida Dr. Lourenço Peixinho, a requalificação do Rossio, a via ciclável UA-Estação de Comboios, medidas para o PDM, medidas como a criação de ciclovias popUp, entre outras, em tempo de pandemia, contributos para o Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, convite à autarquia para um percurso em bicicleta pelo concelho para identificação de problemas e propostas de trabalho colaborativo com a associação, tem também apoiado vários projetos propostos por cidadãos ao Município de Aveiro para ajudar na alteração de hábitos de mobilidade (“Calhas para Bicicletas nas Escadas de Aveiro”, “Ciclo Compost”, “Bicibox- Estacionamento para Bicicletas” e a “Rota Segura para a Escola” que ganhou o OPAD 2020 como o projeto mais votado, mas que não consegue avançar e sair do papel, bloqueado por decisão política).

Sabemos há muito que desafios teremos de enfrentar (fenómenos meteorológicos extremos, crise energética com aumento do preço dos combustíveis, agravamento de doenças respiratórias causadas pela poluição, sedentarismo e obesidade, doenças do foro mental, aumento do número de feridos e mortos por insegurança rodoviária), mas não estamos a implementar as soluções que teimam em não sair do papel nem do discurso político.

Sabemos também, e conseguimos imaginar, a cidade onde gostaríamos de viver, de sociabilizar e conhecemos modelos de cidades que nos inspiram e a que nos gostaríamos de comparar.

Sabemos quais são essas soluções porque estão estudadas, implementadas em vários países europeus, legisladas e planeadas em Portugal e, mais concretamente, na nossa região.

Falta às entidades públicas competentes ação urgente na implementação das Estratégias Nacionais de Mobilidade Ativa Ciclável e Pedonal (República Portuguesa – XXIII Governo), do Plano Intermunicipal de Mobilidade e Transportes da Região de Aveiro (Região de Aveiro), do Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, do Plano Municipal de Mobilidade, do sistema de bicicletas partilhadas BUGA 2 e de tantas outras propostas que no âmbito de projetos participativos da autarquia foram ficando pelo caminho (Município de Aveiro).

Nesta ação é também fundamental a participação e envolvimento da Universidade de Aveiro que desperdiça a oportunidade do projeto uaubike.pt e dos contributos do Núcleo da Bicicleta – AAUAv para a melhoria da infraestrutura ciclável do campus universitário em articulação com o Município de Aveiro para integração das vias dedicadas já existentes e herdadas do tempo da BUGA (1).

Devem ser ouvidas e envolvidas verdadeiramente (e não apenas no papel ou apenas com sessões que cumprem requisitos legais) as organizações que dão voz aos cidadãos, as necessidades dos comerciantes, dos operários e empresários, das comunidades escolares que pedem mais e melhores condições, conforto e segurança nos percursos e envolventes escolares.

Devem também ser chamados à responsabilidade política e cívica todos os eleitos pelos partidos com representação no executivo camarário e na assembleia municipal (Partido Socialista – Concelhia de Aveiro, CDS Aveiro, PAN Aveiro, Bloco de Esquerda Aveiro / Concelho) para que questionem, forcem o debate e se posicionem relativamente a esta matéria que determinará o nosso futuro coletivo e a qualidade de vida, saúde e bem estar da nossa e das próximas gerações.

Este terá de ser um desígnio nacional e municipal, com o envolvimento de todos, numa visão alinhada por uma estratégia e um plano real como o que tem sido feito em vários países europeus que estão a implementar medidas que vão permitir, de forma mais resistente e preventiva, enfrentar os problemas urbanos há muito identificados: inundações severas e secas extremas com avultados prejuízos sociais e económicos, desumanização dos centros históricos e definhamento do comércio local, desigualdades sociais no acesso à habitação, transporte, serviços e emprego, ocupação desequilibrada do espaço público e da sua desnaturalização, aumento de conflitualidade social, bem como os graves e variadíssimos problemas de saúde mental e física associados a um estilo de vida urbano altamente sedentário e fortemente dependente do uso do automóvel.

Apenas com políticas públicas claras, apoiadas em estratégias, planos definidos e objetivos traçados de reorganização do território, redistribuição do espaço, uma aposta e investimento forte na mobilidade ativa e sustentável e, simultaneamente, com uma clara adoção de medidas de desincentivo ao uso do automóvel privado compensadas por alternativas, se conseguirá uma mudança efetiva de hábitos de mobilidade, invertendo a tendência que os dados nos indicam, à semelhança do que já se começa a ver a acontecer em Lisboa e no Porto.

Redação
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