No passado dia 22 de maio de 2025, o Conselho Económico e Social de Portugal, organizou uma conferência internacional subordinada ao tema “os cidadãos podem combater a desinformação”, contando com um painel de oradores de congéneres internacionais, académicos e jornalistas, perorando sobre o fenómeno das “fake news”.
Ideias muitas, o diagnóstico é partilhado numa pouco habitual unanimidade, roçando o unanimismo (o que é que isto me faz lembrar …), sendo a apologia da regulamentação da comunicação e ou difusão da notícia, a mais consensual das soluções, não esquecendo os “polígrafos”, e lá esteve o jornalista da SIC que deu a cara ao Poligrafo, a verberar de sua justiça.
O evento aconteceu no Teatro Thalia, ali ao jardim zoológico, que conhecia pela participação que já tive em programas do programa “fronteiras XXI” da RTP3, ali emitido em directo, possuindo um cenário a fazer lembrar a época medieval, em termos construtivos, com paredes e decoração características dos vetustos castelos e mosteiros.
Imbuído pelo cenário alguém da plateia, no período do debate, afirmando-se conquistado pelo ambiente, começa a sua intervenção dizendo “olhando para estas paredes, recheadas de história, elas parecem perguntar “waths new?””, vincando que não há nada de novo neste fenómeno das “fake news” (noticias falsas), ou até da “Nit Pravda” (mentira), por contraponto á verdade (Pravda).
Dei, então, por mim a pensar sobre como era a comunicação, a notícia, e como ficava registada para os vindouros, nos tempos medievos.
O registo para memória futura esse era assegurado pelos cronistas, e todos sabemos que eram completamente parciais, desviando-se, quando convinha, da verdade.
Cronistas houve que sem grande esforço os podemos comparar, ainda que grosseiramente, com os actuais jornalistas, na medida em que relatavam o que o seu olhar enxergava, dando conta de novidades, tal é o caso de Pero Vaz de Caminha, que acompanhando a armada de Pedro Álvares Cabral, deu o seu contributo na carta dirigida ao Rei D. Manuel I, sobre o “achamento do Brasil”, alertando, sabiamente, “nesta armada outros melhor que eu o farão, mas este é o meu testemunho”, isto porque não foi o único que deu noticia ao Rei do achamento.
Outro foi Fernão Mendes Pinto, que tendo viajado imenso, pela Ásia, Europa e África, deu notícia de tantas maravilhas e coisas incríveis, estranhas na europa, vivenciadas por ele, que a desconfiança caseira tão peculiar aos portugueses de ontem e de hoje) levou os seus detratores a glosarem o seu nome desta forma “Fernão Mentes? Minto.”
As notícias, então conhecidas por “novas” asseguradas por pregões, pessoas que iam de povoado em povoado, gritando “novas, novas” e perante o ajuntamento de vilões (povo) anunciavam então a “nova” ou a notícia.
O controlo das notícias, da história, era total. Por isso, “o que há de novo?” é um chamado á realidade, com o qual concordo em toda a linha.
Atualmente, neste mundo novo da comunicação confunde-se muito as notícias falsas, com desinformação noticiosa, manipulação noticiosa, verdade noticiosa.
Veicular uma notícia, não é apenas dar nota de um evento, de algo que aconteceu, na medida em que a notícia, é um complexo trabalhado, que pega num acontecimento, num evento, sujeita-o a um crivo de filtros, destinado a separar o trigo do joio, para que o seu resultado final seja, então, a sua transmissão ao público, expurgado de “ruído”.
Simplificando, a notícia para ser notícia, tem de sujeitar o evento o acontecimento ao contraditório das partes, e o resultado final tem de ser colocado na disponibilidade pública sem omitir nada, e sobretudo, sem concluir seja o que for, sob pena de matar o cariz noticioso.
Ora o profissional a cargo de quem está esta responsabilidade é o jornalista, sendo que esta profissão não é compatível com a de opinador amador ou profissional.
Assim, um dos principais problemas da notícia, hoje, é que os órgãos de comunicação social publicam acontecimentos, eventos, sem se darem ao trabalho de os sujeitarem a contraditório, ou seja, se o jornal “A” publica que “B” fez isto ou aquilo, tendo sido denunciado por “C”, o mínimo é confrontar o denunciado com a denúncia. Se porventura “A” percebe que “C” está a mentir, então deve abster-se de dar pública nota disso, caso contrário está a premiar o mentiroso, e a fomentar a desinformação pública.
Ora nada de mais, pois o próprio código deontológico dos jornalistas já o prescreve como condição “sine-qua-non” o recurso ao contraditório.
Outra pecha é a insistente mania dos jornalistas darem a sua opinião sobre o que acabam de noticiar, exercendo, de forma consciente o poder de influência que têm e sabem que o têm.
Este poder maniqueísta que o jornalista, sobretudo de televisão tem, foi bem ilustrado por Rodrigues dos Santos, na curta entrevista que fez ao secretario geral do PCP, na RTP, no período pré-eleitoral, ignorando olimpicamente o objetivo da entrevista, para cilindrar o politico, cuja posição relativamente a uma matéria internacional é a oposta da que professa o referido jornalista, preenchendo, propositadamente os 10 minutos reservados á entrevista com insistente repetição da pergunta, sobre um assunto que era absolutamente marginal.
A classe política foi capturada pelo tribunal de opinião das televisões, descobrindo um filão para preencher a grelha da antena – os debates políticos e as entrevistas aos políticos.
Para as televisões pouco ou nada importa o que os políticos dizem nos debates ou nas entrevistas, importante mesmo, para as televisões, é o debate que um qualquer painel de opiniáticos, eufemisticamente classificados de comentadores políticos, que entram em cena, imediatamente após a intervenção dos políticos, verberando, adjetivando, apodando mesmo, o desgraçado do político ou políticos, a quem é recusado o contraditório, a sua defesa, perante os dislates dos opiniáticos. Isto é como bater num animal acorrentado e amordaçado. A palavra em português, que resume tudo isso é cobardia.
Esta catequese dos opiniáticos sobrepõe-se ao discurso político e influencia os mais incautos, que são a generalidade dos telespectadores.
Pior ainda é verificar que certos opinadores assumem um ar professoral, e arrogam-se dar “conselho” aos políticos, sobre o que fazer, quando e como, e muitas vezes, senão mesmo quase sempre, estes opinadores nunca fizeram nada que os habilite a dar conselhos. No fundo estes opinadores/jornalistas, utilizam a força das Tv’s para sublimar as suas frustrações.
Mesmo os “polígrafos” cuja base para a sua existência é genuinamente importante, não raras vezes, assumem conclusões enviesadas, ou até mesmo simplistas relativamente a temas complexos.
Por fim, a grande questão da liberdade de imprensa. Este é outro eufemismo, desde quando existe liberdade num contexto empresarial, em que “A” tem de vender mais que “B” para pagar as contas?
Se “C” dá uma notícia que atinja a reputação de “D”, como se pode esperar que este lhe compre publicidade?