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    Nuno Quintaneiro dirige-se aos Beiramarenses

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    Nuno Quintaneiro
    Nuno Quintaneiro


    Hoje, iniciamos uma nova época desportiva – a segunda da responsabilidade dos atuais órgãos sociais.

    Concluímos a época 2024-2025, desenvolvida num quadro de significativa adversidade, com a expetativa de que 2025-2026 seja um período de superação e de reafirmação do compromisso com a melhoria contínua que orienta a nossa ação.

    Poderíamos aqui destacar os vários títulos coletivos e individuais conquistados ao longo da época agora finda, mas optamos por enaltecer o forte dinamismo das nossas atuais 13 modalidades desportivas que proporcionam e promovem a prática desportiva, de formação e de competição, a cerca de milhar e meio de atletas.

    Na nova época do futebol e do basquetebol sénior masculinos, vemo-nos obrigados a moderar as nossas expetativas, procurando fazer “muito com pouco”, numa época em que será essencial apelar ao espírito de resiliência e superação dos nossos treinadores e jogadores. Com realismo, mas também com plena confiança na competência Beiramarense, seremos candidatos a realizar uma época positiva, alicerçados em coletivos fortes, coesos e profundamente alinhados com a nossa ambição, os quais afirmem, em qualquer estádio ou pavilhão, a nossa identidade, disputando cada duelo, cada ressalto, em busca da vitória em todos os jogos.

    Na formação das nossas modalidades, prosseguiremos a nossa atividade, procurando uma maior abrangência no masculino, no feminino, e também no desporto adaptado, reforçando o papel socialmente relevante do nosso clube.

    Apesar de termos implementado um processo inovador, célere e bem estruturado para alcançar o objetivo de constituição da sociedade desportiva para o futebol sénior, por razões alheias à nossa vontade, ainda não foi possível concretizá-lo, o que nos deixa naturalmente, em termos orçamentais, fragilizados no planeamento da nova época, obrigando-nos a moderar a nossa ambição desportiva, enquanto procuramos um novo parceiro/investidor para o projeto.

    Temos a ambição de recolocar o SC Beira-Mar nos mais elevados patamares do desporto nacional, de forma sustentável e sem recorrer ao endividamento, sustentando um projeto desportivo consistente, com visão a médio e longo prazo.

    Para além das arenas desportivas, renovamos o nosso compromisso com a responsabilidade financeira junto dos nossos colaboradores, fornecedores e entidades, como é o caso da Câmara Municipal de Aveiro, com quem, após vários anos, conseguimos finalmente regularizar os nossos compromissos!

    Uma década após o encerramento da atividade da primeira SAD para o futebol, do clube a enfrentar um Processo de Insolvência e da descida da equipa sénior de futebol masculina aos campeonatos distritais, inspiramo-nos nesse período de “refundação” para iniciar uma nova época que certamente será muito exigente e desafiante. Entregamo-nos com dedicação total, confiando na força do trabalho e no apoio dos nossos sócios, adeptos, parceiros e patrocinadores que não abandonam o nosso clube!

    Lado a lado com os Aveirenses, relembramos que… O Beira-Mar é Aveiro!

    Porque é que em 50 anos nada mudou no jornalismo regional

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    Imagem de câmara e bloco de jornalismo
    Imagem de câmara e bloco de jornalismo


    Tenho 28 anos de jornalismo, ininterrupto. É uma vida, de muitas experiências, muitas reportagens e uma aprendizagem contínua e muito profícua. Estes anos de jornalismo como principal fonte de rendimento, deu-me, sem sombra de dúvida, algum à-vontade para teorizar sobre a razão por que o jornalismo regional não sai da cepa torta. Importa referir que o meu pensamento não se baseia em previsões astrológicas, ou cartas de Tarot, mas sim são baseadas no estudo do setor, que desde sempre o tenho feito e mais recentemente, juntando-se as medidas que estão em cima da mesa do Secretário de Estado e do Ministro Leitão Amaro.

    “O jornalismo regional debate-se e contorce-se com a falta de recursos e financiamento para poder trabalhar de uma forma autónoma e isenta”

    Quem trabalha no regional, sabe perfeitamente que não é fácil impormos a nossa marca, a nossa visão de como vemos os acontecimentos do dia a dia, e acima de tudo, a nossa independência.

    O jornalismo regional debate-se e contorce-se com a falta de recursos e financiamento para poder trabalhar de uma forma autónoma e isenta. Quanto mais locais somos, mais independência perdemos. Se queremos fazer um trabalho de cobertura das diversas agendas, (política, cultura, eventos, etc.) para a comunidade onde estamos inseridos (seja grande ou pequena), precisamos de jornalistas, equipamento, viaturas, redação, parque tecnológico e meios de difusão (papel ou digital). Isso custa muito dinheiro, para o investimento inicial, e depois para suportar toda a estrutura da operação.

    As fontes de financiamento que os veículos informativos têm à disposição resumem-se à venda da publicidade, assinaturas (papel e digital), banners no formato digital e venda de jornais ou revistas em formato tabloide. Há também aqueles são aconchegados pelo poder local, e conseguem avenças razoáveis ou venda de páginas de publicidade (por vezes propaganda pura). Desde que sou gente nesta área, a fórmula é sempre esta e nada mudou em 50 anos, ou pelo menos em 28 anos da minha experiência in loco.

    Importa referir que temos uma legislação e legisladores, no que ao jornalismo diz respeito, que são muito profícuos a encontrar soluções, para os jornais…nacionais! Em 50 anos de jornalismo regional, podemos apenas falar de apoios para o Porte-Pago para a imprensa regional, e mesmo este subsídio já foi alvo de pretensões de mudança, mas felizmente ainda se mantém. Enquanto o jornalismo nacional avança, sem medos, porque nas derrapagens, está lá o governo para os apoiar, o regional estagna e não avança. Aliás, faz marcha-atrás. Há uma verdadeira cultura política para acabar com a maior parte dos títulos da imprensa regional.

    “90% dos títulos vai afundar. Literalmente!”

    Nunca se falou tanto, nos últimos 15 meses, sobre regulamentos e apoio para a imprensa regional, mas de facto, o que tem avançado e que se tem materializado em apoios reais, são os subsídios ao jornalismo nacional. E não podemos esquecer que a ser aprovado o regulamento ainda negociado pelo anterior governo, vai ser mais uma estaca nas empresas de comunicação, pois obriga-nos a investir e a suportar condições de trabalho que não se coadunam com a capacidade de retorno financeiro levantadas pelos órgãos de comunicação regionais.

    Vai ser bom para meia dúzia de jornais, que têm uma implantação regional robusta, tendo os seus canais comerciais já muito desenvolvidos e em que auferem mensalmente do poder público verbas interessantes. Mas isto resume-se a 10% dos títulos existentes. 90% dos títulos vai afundar. Literalmente! Só para terem uma ideia de uma das medidas previstas, obriga que todos os jornais tenham ao seu serviço um jornalista profissional, que vai onerar as operações mensalmente em mais de 2 mil euros. Isto do proprietário e diretor fazer as notícias, vai acabar. Se realizarmos que 90% da imprensa regional subsiste justamente porque é o proprietário e diretor que empurra o barco, este novo regulamento a ser aprovado e implementado, vai ser a machadada final no jornalismo regional.

    “O que vai haver são regras muito apertadas para estrangular de vez o jornalista e o jornalismo de proximidade.”

    Ao governo, assiste a ideia que é mais fácil controlar 50 a 100 jornais regionais, do que 800 (número aproximado) ou 1700 como erámos há bem pouco tempo. A estratégia do governo está a resultar, porque anualmente centenas de órgãos de comunicação encerram a atividade, e agora prepara-se o desfecho da cortina final. Quando sair o novo regulamento, o jornalismo regional plural, forte e independente, acaba. Ficam apenas aqueles que reúnem as condições para serem subsídio-dependentes das câmaras (uns 100 jornais se tanto). Isto é o sistema a testar-nos e a forçar-nos a mudar ou a acabar. E nós vamos deixando.

    Isto tudo acontece justamente porque nunca houve uma política para a imprensa regional. Nem vai haver tão cedo. O que vai haver são regras muito apertadas para estrangular de vez o jornalista e o jornalismo de proximidade. É a globalização, os grandes grupos de comunicação que perdem anualmente muito dinheiro para a imprensa regional de receitas publicitárias, e decidiram também ajudar o legislador a fazer mais pressão na bota que nos sufoca e tira o ar.

    “É esta pressão e este medo constante, de uma forte retaliação a vários níveis, que nos empurra a todos para a beira do precipício…”

    Temos tudo e todos contra nós. Mas a culpa desta situação não é só do sistema. É também nossa. Sempre vivemos à sombra da bananeira, no que tange os direitos e deveres da profissão e nunca quisemos saber nem tão pouco perder (ou investir) um pouco de tempo a pensar de como havemos de dar a volta ao texto. Como o povo diz, “para se dançar o tango, são precisos dois”, e nós fizemos a nossa parte, fomos o parceiro mais passivo desta dança. Deixámos que o parceiro ativo nos conduzisse e agora pode ser tarde demais.

    No final, não somos só nós, profissionais do setor que perdemos. Perde o país e as pessoas, que deixam de contar com a primeira linha de defesa da democracia, em que somos os primeiros fiscais dos 308 municípios que o país tem. É factual que 80% das notícias sobre a corrupção e as más práticas da gestão dos dinheiros públicos, em organismos regionais (quase sempre as câmaras) que aparecem nas notícias nacionais, são de origem do jornalismo de proximidade, que em associação com os canais nacionais, guia-os para a difusão da possível corrupção, pois se muito do compadrio fosse denunciado pela imprensa de proximidade, vidas perigavam e jornais já tinham encerrado, sem falar dos processos em tribunal que os jornalistas regionais iriam ter que enfrentar.

    É esta pressão e este medo constante, de uma forte retaliação a vários níveis, que nos empurra a todos para a beira do precipício, chegando agora a uma encruzilhada. Ou lutamos ou encerramos. Vamos a tempo? Não sei!

    No próximo artigo, e conforme prometido no artigo anterior, vou argumentar de “Como se combate esta estratégia que visa afundar este setor”.

    As palavras têm História — e nós esquecemo-nos disso

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    As palavras têm história
    As palavras têm história

    Quantas vezes usamos expressões como “Maria vai com as outras” ou “ficou a ver passar navios” sem pensar no que realmente significam? A verdade é que muitas destas frases feitas, que hoje usamos no dia a dia quase por hábito, nasceram de momentos marcantes da História de Portugal. E se quisermos que as novas gerações percebam que a língua é um espelho da nossa identidade, temos de lhes contar estas histórias — simples, vivas e com verdade.

    Quando dizemos que alguém é uma “Maria vai com as outras”, estamos a usar o nome da rainha D. Maria I, que enlouqueceu depois da morte do filho. Durante o exílio no Brasil, a rainha passeava com as damas da corte e o povo, ao vê-las, dizia “lá vai a Maria com as outras”. Com o tempo, esta imagem tornou-se sinónimo de quem segue sem pensar. Não é bonito, mas está carregado de História.

    “Foi para o maneta” é outra pérola esquecida. Durante as invasões francesas, chegou a Lisboa um oficial que, além de ser implacável na justiça, tinha só uma mão. Quem caía nas suas mãos estava perdido. A expressão sobreviveu como forma de dizer que algo já não tem volta a dar — perdeu-se, estragou-se, foi-se.

    E quando dizemos que alguém “ficou a ver passar navios”, estamos, sem saber, a repetir uma cena de 1807. As tropas de Napoleão chegam a Lisboa, mas já é tarde: a Família Real está a embarcar para o Brasil. Os franceses nada puderam fazer — ficaram a olhar o Tejo e os navios a afastarem-se. É isso mesmo: uma oportunidade perdida à frente dos olhos.

    Já a expressão “rés-vés Campo de Ourique” vem do grande terramoto de 1755, que destruiu Lisboa, mas deixou praticamente intacta a zona de Campo de Ourique. Foi por pouco. Rés-vés. Desde então, diz-se assim quando escapamos por um triz.

    E quando algo nos choca mesmo a sério, dizemos que “caiu o Carmo e a Trindade”. Voltamos ao mesmo terramoto. Dois conventos enormes — o do Carmo e o da Trindade — ruíram com estrondo. A imagem ficou. Hoje, usamos a expressão como exagero dramático, mas esquecemo-nos de que nasceu do colapso físico e simbólico da capital.

    Tudo isto mostra que a nossa língua é uma herança viva. Está cheia de pequenas janelas para o passado, prontas a abrir-se se alguém tiver a chave certa. E essa chave é a explicação. Se quisermos que os mais novos conheçam e respeitem a nossa História, temos de começar pelas palavras que já usam. Não basta ensinar datas e factos — é preciso mostrar que até no modo como falamos há batalhas, reis, terremotos e travessias do Atlântico.

    A língua portuguesa é um museu em movimento. E todos os dias entramos nele sem bilhete, sem guia, sem atenção. Talvez esteja na altura de o iluminarmos por dentro — não com holofotes, mas com histórias. Porque se há algo que merece ser passado à frente, não são só os manuais: são as palavras que dizem quem somos.

    Ribau Esteves intervém em Conferência sobre Mobilidade do Comité das Regiões em Brest

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    A Comissão COTER do Comité das Regiões realizou ontem em Brest uma reunião ordinária, e hoje, uma conferência sobre acessibilidade e sustentabilidade da mobilidade na União Europeia.

    O Presidente da Câmara Municipal de Aveiro foi orador num painel da conferência em representação do PPE / Partido Popular Europeu, referenciando a sua intervenção nas seguintes ideias principais, que aqui se apresentam de forma sumária:

    1. A sustentabilidade tem três importantes pilares: ambiental, económico e social, e a abordagem aos sistemas de transportes públicos de passageiros na União Europeia tem de dar uma especial atenção às dimensões económica e social, cuidando sempre da preservação dos valores ambientais;
    2. Há uma discrepância preocupante e um desequilíbrio crescente na gestão dos sistemas de transportes públicos, entre as Áreas Rurais, com menor densidade populacional, e as Áreas Urbanas, com elevados níveis de densidade populacional;
    3. Além disso, os sistemas de financiamento público dos transportes públicos, são complexos e utilizam recursos financeiros de montante muito relevante, com a participação das Autoridades Locais, Regionais e Nacionais;
    4. ATENÇÃO ao novo e crescente desequilíbrio em desenvolvimento a este nível entre as Áreas Rurais (de baixa densidade populacional) e as Áreas Urbanas (de alta densidade populacional), com as seguintes características:
      1. Áreas Urbanas:
        1. elevado nível de investimento público e privado;
    1. elevado nível de oferta e de disponibilização de serviço;
      1. preços baixos, sendo crescente o número de Cidades, Municípios e Regiões, a implementar sistemas de transporte público gratuito, nomeadamente as de maior dimensão e com maior capacidade financeira;
      1. Áreas Rurais:
    2. baixo nível de investimento público e privado;
    3. baixo nível de oferta e de disponibilização de serviço;
    4. preços mais altos, sendo que as Autoridades Locais e Regionais têm muito menos capacidade para financiar os sistemas de transporte público, pela sua menor e baixa capacidade financeira.
    5. Essa realidade exige atenção, reflexão e medidas que mudem o caminho do desequilíbrio crescente, porque a presença do Ser Humano em todo o território Europeu é muito importante para a coesão territorial, económica e social;
    6. Algumas medidas para debate são pertinentes:
      1. Elevar o nível de financiamento público per capita nas Áreas de menor densidade populacional, com participação extraordinária de fontes de financiamento Nacional;
      1. Utilização do transporte individual nas Áreas de menor densidade como um elemento do sistema de mobilidade, com financiamento público, com diminuição dos impostos sobre a eletricidade e os combustíveis fósseis;
    7. Outras medidas objetivas com a aplicação do princípio da subsidiariedade entre os níveis de governação Local, Regional e Nacional, cuidando de Todas as Pessoas.

    O tempo e o jornalismo se relacionam numa dinâmica

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    O tempo e o jornalismo se relacionam numa dinâmica, na qual de um lado está o carácter de novidade impregnado no sentido das notícias e do outro, a contribuição do jornalismo para a construção de uma cultura do tempo presente.

    A internet permeia de tal modo o quotidiano, que estamos caminhando para uma capacidade cada vez maior de consumir informação fragmentada e desconexa.

    Mais informação, menos conhecimento e sobretudo pouca reflexão.

    O jornalismo é uma forma de conhecimento, uma forma de apreensão da realidade. É a verdade imediata, o primeiro indício de verdade; estará sempre longe, muito longe, de encontrar toda a verdade. Mas a busca, deverá ser o seu propósito e a internet estará nos induzindo a um pensamento horizontal.

    O facto, é que nos últimos anos ocorreu um agravamento dessa decadência. E vários factores a explicam. Um deles certamente é a enorme circulação de informação nas redes sociais. Não adianta tentar negar e ignorar: há alguns anos, as pessoas preferem “se informar” pelo Facebook, WhatsApp, Twitter e Instagram.

    Não querem mais ir atrás da notícia, esperam que a notícia passe por seus feeds como galhos de árvores boiando no curso de um rio.

    “Olha uma notícia ali!”

    Leitura rápida, like, próximo post.

    O dedo e o olhar seguem pelo ecrã do telemóvel.

    As notícias nascem no Twitter e morrem no Facebook.

    Não nascem mais nas ruas ou nas páginas dos jornais, na rádio ou na TV. O jornalismo frontal, vai se perdendo, diluindo, na rapidez da era digital.

    O jornalista “sentado” em frente ao monitor compilando post em murais mais ou menos manhosos, mais ou menos credíveis, ameaça ocupar o espaço do jornalista “de pé”.

    Jornalismo de pé serve para designar a modalidade de apurar os factos da informação, em que o jornalista ‘sai à rua’ e entra em contacto direto com as fontes e com a realidade do acontecimento.

    Por sua vez, o jornalismo sentado é utilizado para designar um jornalismo mais orientado ao tratamento (formatação dos textos de outros jornalistas, gênero editorial ou comentário) de uma informação que não é recolhida e tratada pelo próprio jornalista.

    Há no sistema actual, um uso constante, ideológico, da palavra, que procura convencer o utilizador a consumir toda mercadoria como bem supremo. Diga-se que o ser humano é uma fera colorida de civilização e então, teremos as bases reais do fenômeno econômico.

    Reconheça-se: a ciência que o estuda, é a codificação do egoísmo, ou seja, do instinto mais desagregador do complexo social.

    Colocar de pé um projecto comunicacional nos tempos que correm, tem muito a ver com carolismo, perseverança, fé, bairrismo, crença, mesmo que seja ao ritmo de um caracol, porque as dificuldades fazem parte e as barreiras são grandes.

    O Eros e a Busca da Integridade: Entre o Mito e o Sagrado

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    A humanidade é um rio que corre entre duas margens: a espiritualidade, que busca resposta para o sentido da existência, e o desejo sexual, que obedece ao impulso primordial da perpetuação. Mas será que essas duas correntes são verdadeiramente distintas? Ou serão antes expressões de uma mesma sede — a ânsia de perfeição, o retorno a um estado perdido de harmonia primordial (ou a necessidade de envolvimento no processo “mítico” de encarnação e ressurreição)?

    Na origem de tudo, está o Eros — não como mero instinto, mas como energia cósmico-divina que move o homem e a mulher em direção à sua metade ausente. Platão, no Banquete, narra o mito do Andrógino, essa criatura esférica, duplamente sexuada, que outrora caminhava em plenitude até que a inveja dos deuses a dividiu em duas partes, condenando-nos à eterna busca um do outro (e ou do Outro). Desde então, o amor terreal não é senão a sombra desse paraíso perdido, um eco da unidade original. Cada abraço, cada entrega carnal, é uma tentativa desesperada de reencontrar a esfera perfeita, de fundir-se outra vez no Todo.

    Mas o Eros é mais do que a simples junção de corpos. Ele é um ritual sagrado, uma liturgia em que homem e mulher, ao se unirem, repetem simbolicamente o gesto divino da Criação. Nele, o masculino — voltado para o exterior, para a ação, para o domínio — dissolve-se no feminino, que é receptividade, interioridade, mistério. E a mulher, por sua vez, encontra no homem o seu ânimus, a força que a projeta para além de si mesma. Ambos buscam, no outro, aquilo que lhes falta, não para aniquilar-se, mas para transcender-se, não extinguindo-se na dualidade, mas complementando-se de forma exuberante num processo de relação trinitária ou do eu-tu-nós.

    No entanto, a sociedade, moldada por séculos de patriarcado, distorceu esse diálogo intersubjetivo criativo. (Não compreendeu o mistério da relação expresso na fórmula trinitária. Em vez de afirmar a relação vital complementar dividiu-a em relações funcionais de necessidade e de interesse – manietando homem e mulher a seres objectivados). Reduziu a mulher a objeto, enfeite do desejo masculino, e aprisionou o homem numa máscara de domínio, negando-lhe a própria feminilidade interior. O ato sexual, em vez de celebração, tornou-se funcionalidade; em vez de rito tornou-se folclore. A repressão do sagrado no Eros é sintoma de uma cultura que exalta a conquista, a violência, a cisão — esquece que a verdadeira vocação humana é a complementaridade.

    Que aconteceria se, libertas dos tabus, as mulheres reivindicassem plenamente a sua dupla natureza — tanto a força do ânimus como a profundidade do feminino? E se os homens, por sua vez, não temessem acolher a ânima, essa interioridade tantas vezes negada? Talvez então vislumbrássemos uma cultura não da competição, mas uma cultura da paz, da comparticipação; não da guerra, mas do encontro.

    (Quando chegará o momento em que a política reconhecerá que masculinidade e feminilidade são princípios vitais e complementares em cada ser humano – e deixará de impor a todos a mesma matriz arcaica (esmagando todos no mesmo molde masculino), reduzindo até as mulheres a meras peças funcionais de uma máquina social desumanizada, ao serviço de uma norma masculina exacerbada? Até quando se continuará deste modo a destruir a alma da sociedade – e a reduzir o feminino a engrenagem de um sistema sem rosto? (1)

    O sexo é, na sua essência, um limiar. Realiza-se no adro do templo, na fronteira entre o humano e o divino. Nele, homem e mulher não são apenas amantes, mas celebrantes de um mistério maior: a reconciliação das metades, o reencontro com o círculo perfeito e a unidade do três no um, como bem manifesta a dinâmica relacional do mistério da Trindade. E assim, no êxtase que os une, eles tocam, ainda que por um instante, o Paraíso.

    Tech Meetup da Inova-Ria vai reunir comunidade tecnológica em Aveiro

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    A Inova-Ria vai promover no próximo dia 3 de julho mais uma edição dos seus Tech Meetups, encontros que têm vindo a afirmar-se como espaços privilegiados para a partilha de conhecimento, networking e promoção da inovação tecnológica.

    A edição de julho terá como tema central a Cibersegurança, uma área cada vez mais crítica e transversal à atividade económica e social. A sessão contará com a participação de especialistas da área e será anfitriada pela empresa Art Resilia, referência no setor da ciber-resiliência.

     •   O evento terá lugar no Parque de Exposições de Aveiro, entre as 18h30 e as 20h30, e será uma oportunidade para:

    • Conhecer    os     principais     desafios     e     tendências     atuais     da cibersegurança
    • Ouvir o testemunho e a experiência de especialistas da área
    • Estimular colaboração entre profissionais, empresas e instituições

    O encontro termina com um momento descontraído de networking, acompanhado por cerveja Quinas e pizzas artesanais da Pizzarte, num ambiente informal pensado para aproximar a comunidade tecnológica.

    A participação é gratuita, mas está sujeita a inscrição obrigatória devido à limitação de lugares.

       Inscrições abertas em: https://bit.ly/4kJnVAP

    No Verão, a Dama vale mais do que o Valete?

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    Se o jogo de cartas for de proveniência aristocrática, a dama valerá mais… se o jogo for de proveniência popular será o valete mais valioso…

    Sol, sardinhas, toalhas estendidas, crianças molhadas e adultos à sombra com um baralho de cartas na mão. O Verão português é, entre muitas coisas, um tempo de jogo: jogam-se suecas em mesas de jardim, buracos em cafés de aldeia, paciências silenciosas em varandas com vista para o mar. E é nestes jogos de cartas — tão simples quanto carregados de história — que por vezes se escondem códigos sociais mais antigos do que imaginamos.

    Uma das curiosidades que passa despercebida à maioria dos jogadores ocasionais é a seguinte: nos jogos em que a Dama (ou Rainha) vale mais do que o Valete (ou Pajem), estamos normalmente perante jogos de matriz aristocrática ou burguesa. Pelo contrário, quando o Valete assume maior valor do que a Dama, é mais provável que estejamos diante de um jogo de tradição popular, moldado no improviso das tabernas e das casas modestas. Não é uma regra absoluta, mas há neste padrão algo de profundamente simbólico.

    A origem dos baralhos de cartas na Europa remonta ao século XIV, provavelmente trazidos por mercadores muçulmanos através da Península Ibérica. Os primeiros baralhos usavam naipes diferentes dos atuais — taças, moedas, espadas e bastões — e variavam conforme a região. Mas foi o baralho francês, já no século XV, que impôs os quatro naipes modernos (copas, ouros, paus e espadas) e as três figuras: Rei, Dama e Valete. Esta estrutura imitava a ordem social: o Rei no topo, a sua consorte abaixo, e o Valete, um criado de armas ou escudeiro, na base da escala nobre. Nos jogos mais refinados — o Whist, o Bridge e o nosso contemporâneo King — esta ordem mantém-se inalterada, como reflexo das boas maneiras, da estrutura de corte e da reverência cerimonial.

    Mas nem tudo é disciplina. A Revolução Francesa, que quis derrubar tronos e abolir privilégios, não se esqueceu das cartas. Num gesto politicamente simbólico, os revolucionários tentaram suprimir do baralho as figuras reais — o Rei, a Dama e o Valete — substituindo-as pelos ideais da nova ordem: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Foi, em rigor, uma das primeiras tentativas políticas de “cancelamento” cultural. Mas não funcionou. O povo continuou a jogar com reis e rainhas, às escondidas ou com baralhos antigos. O novo baralho republicano nunca ganhou o coração dos jogadores, e o antigo regime, pelo menos nas cartas, sobreviveu à guilhotina.

    Já nos jogos populares, criados e recriados à margem das cortes, o Valete começou a ganhar importância. Por vezes por conveniência do jogo, por outras como afirmação lúdica de que a esperteza vale mais do que a linhagem. É o caso da nossa sueca, onde o Valete de paus — o temido “Zé-Pequeno” — se sobrepõe a qualquer Dama. Ou do truco sul-americano, nascido nos bairros e nas praças, onde o Valete serve para blefes e truques malandros. Em certos jogos do Norte de Portugal, chamava-se “dama velha” à Dama de paus, carta tida como fraca, ultrapassável por qualquer figura mais vivaça. A Dama, símbolo do protocolo, perde assim para o Valete, símbolo da astúcia.

    Dois jogos em particular ajudaram a eternizar essas dinâmicas simbólicas: a Canastra e o Bridge. A primeira, de origem sul-americana, chegou a Portugal nas décadas de 50 e 60 e encontrou terreno fértil nos navios da Marinha portuguesa. Era fácil de aprender, ocupava o tempo morto das longas travessias e fomentava companheirismo e estratégia. Em muitos navios da Armada, oficiais e sargentos passavam horas a fio em torneios informais de Canastra, com folhas de pontuação coladas nos camarotes. Ainda hoje, em clubes náuticos e lares de antigos combatentes, há quem jogue Canastra como quem recita uma oração antiga — com o ritmo de quem já viu mar alto e sabe o valor de um par bem jogado.

    Já o Bridge, nascido das evoluções do Whist, foi desde cedo o jogo predileto da elite militar e diplomática britânica. Entre os oficiais da Royal Navy, tornou-se quase uma disciplina auxiliar: jogado a bordo de cruzadores, em salões de estado, em estações coloniais ou clubes de oficiais espalhados pelo Império. Não era apenas passatempo — era treino mental, etiqueta, contenção emocional e arte estratégica. No auge da presença britânica no Mediterrâneo e no Índico, havia capitães que preferiam perder uma batalha do que uma partida de Bridge. Na Marinha portuguesa, embora menos difundido, o Bridge também foi praticado em certos círculos mais formais, com particular incidência entre oficiais do Estado-Maior e diplomatas navais.

    Menos conhecida é a razão matemática por trás da estrutura do baralho francês: 52 cartas para as 52 semanas do ano, quatro naipes para as quatro estações, 13 cartas por naipe como as 13 luas cheias anuais. E até nas figuras há ecos clássicos: a Dama de espadas representava Palas Atena, deusa grega da sabedoria; o Valete de ouros, Hector, herói de Tróia. Nada disto é acaso. As cartas são também, no seu silêncio colorido, um compêndio de mitologias disfarçadas de lazer.

    Há quem pense que as cartas são apenas um passatempo de Verão, mas isso é uma meia verdade. Os jogos transportam história, transmitem valores, guardam ecos de épocas em que o Rei não era apenas uma figura de papel. Quando, neste Verão, embaralhar um baralho e distribuir cartas com amigos ou familiares, repare bem: a Dama está acima do Valete? Ou será que, ali à mesa da esplanada, o Valete já ganhou o trono por astúcia?

    Pode parecer só um jogo — mas há muito mais escondido entre as cartas.

    É a política, estúpido!

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    Rui Soares Carneiro, vereador do PS na Câmara de Aveiro
    Rui Soares Carneiro, vereador do PS na Câmara de Aveiro


    Comunicado de Rui Soares Carneiro no Facebook:
    Nos últimos dias têm saído umas quantas publicações, algumas declarações e uma tomada de posição política que em nada contribuíram para o debate público, para a campanha política, nem tão-pouco para o próprio partido. Perante afirmações minhas perfeitamente banais, sem acréscimo de novidades para o espectro eleitoral e num simples exercício de estímulo eleitoral para os cidadãos Aveirenses, o Partido Socialista de Aveiro através do seu Secretariado, decidiu de forma unilateral e sem em algum momento me questionar e ouvir, retirar a confiança política no desempenho do cargo de Vereador da Câmara Municipal de Aveiro.

    Ao longo dos últimos anos tenho desempenhado a função de Vereador de forma honrosa, trabalhadora, dedicada, fazendo um esforço pessoal, diário, para o trabalho político que tal função exige. Prescindi de muita coisa, de estar com família e amigos, de tempo para mim, de tempo para hobbies de que gosto, de tempo de descanso, de muitas horas da minha profissão, com esforço financeiro, para poder da melhor forma corresponder àquilo que eu penso que deve ser uma forma de estar e de fazer política, presencial, comunicativa e atenta, junto dos munícipes, em todas as freguesias, em todas as associações. Sempre tentei honrar os meus compromissos com todos aqueles que me contactam a pedir ajuda, com todos aqueles que me convidam para eventos, com todos aqueles que habituei a terem uma comunicação regular e informativa sobre o que se passa no nosso Município.

    Esta forma de estar e de agir, sabia eu à partida – e sei melhor agora – que me traria mais exposição, e com ela, critica. Só não previa que grande parte dessa crítica viesse precisamente de onde tem vindo, com manobras de bastidores que visam um único alvo e um único objetivo. É um problema quando ódios de estimação pessoais se transformam em ódios políticos, porque eles tendem a resvalar para o público, mas esse foi o objetivo último de meia dúzia que sempre contestaram uma determinada forma de ser e de estar. E nada teria contra isso, não resultasse tal postura em prejuízo para o partido — e, principalmente, para os próprios envolvidos —, nomeadamente quando se lançam tiros de pólvora seca em público, mas internamente se continua a aguardar pela consequência de tais “incumprimentos dos estatutos”.

    Assim, e tentado ser o mais pragmático e sucinto possível, para que não haja segundas ou terceiras interpretações e concepções desprovidas de sentido, venho esclarecer publicamente algumas das declarações que vi expostas, e outras justificações do partido, para tal ato conclusivo de retirada de confiança política:

    – refuto integralmente a afirmação de que expus, de forma reiterada, a existência de contestação interna na escolha de qualquer candidato do PS. Tal como a notícia da RIA (12/06) refere, quando fui confrontado com esse facto (portanto, não fui eu a fonte) afirmei saber do descontentamento, mas que isso não significaria qualquer declaração, ou mesmo decisão política diferente, pela minha parte;

    – rejeitei comentar qualquer processo interno de escolha de candidatos, afirmando que não queria contribuir para desviar atenções para um debate que não se justificava, e acrescentei ainda “no fim, o partido considerou que devia fazer a opção que fez – e tudo muito bem.”, tendo sempre declinado fazer declarações públicas individualizadas sobre qualquer candidato;

    – neguei ter conhecimento e participação em alguma reunião de um conjunto de pessoas descontentes com qualquer decisão partidária, como afirmado pela jornalista, e quando questionado sobre a possibilidade de me candidatar por um eventual movimento independente, afirmei que não estava de momento a equacionar essa opção, acrescentando: “Agora não estou a trabalhar nesse sentido. Continuo simplesmente a trabalhar como vereador, até ao momento em que deixar de o ser.”;

    – desminto categoricamente que alguma vez tenha recebido algum convite, de qualquer partido (exceção do PS) ou movimento de cidadãos que seja, para que lugar ou função que fosse, durante todo este período de pré-campanha eleitoral. Há pessoas a quem se exigiria mais experiência política para não se deixarem levar por ruído — especialmente num período tão fértil em boatos infundados;

    – afirmo, de forma clara e inequívoca, que nunca reuni nem solicitei apoio formal ou institucional a qualquer partido, seja da esquerda ou da direita. Infelizmente, há quem procure “fazer-se notar” à custa de outros, mesmo quando se trata de alguém que, durante a última década, foi sistematicamente descredibilizado, desmentido e contestado pelo PS em Aveiro — e que agora aparece a gozar de um alegado aval de confiança por parte de quem alimenta narrativas sem fundamento.

    O Secretariado do PS Aveiro considerou ainda lesivo para si, o facto de eu não ter assumido naquela notícia, uma posição clara de apoio à candidatura do PS à Câmara Municipal de Aveiro, não compreendendo o raciocínio, ou exercício filosófico, exposto — o qual era dirigido aos eleitores não socialistas. Não percebendo os responsáveis partidários que é necessário estimular aqueles que possam ter um cartão de militante ou simpatia política diferente, já que a base eleitoral histórica do PS em Aveiro não chega para ganhar eleições. É igualmente importante olhar para todas as pessoas que compõem as listas, porque nenhum cabeça-de-lista vence sozinho: precisa de uma equipa com quem os eleitores se identifiquem. E, finalmente, muitos cidadãos fazem depender o seu apoio do conteúdo do programa eleitoral final — é ele que define as políticas públicas e os projetos que devem fazer sonhar e mobilizar os eleitores para o voto.

    Por fim, lamento profundamente que nos últimos dias tenham sido utilizados adjetivos e feitas ofensas à minha pessoa, de baixo nível e sem qualquer consideração ou respeito. Essas atitudes dizem certamente mais sobre quem as profere do que sobre mim.

    Resta-me agradecer, do fundo do coração, às largas dezenas de pessoas que me fizeram chegar o seu apoio pelas mais variadas formas — quer me conheçam pessoalmente, quer apenas acompanhem o meu trabalho — da esquerda à direita, de Cacia ao restante Município. É por vós que não baixarei os braços. Continuarei a trabalhar, fiel aos princípios e valores que me orientam, pois é assim que se faz política, que se vive a democracia e que se é cidadão: ativo e participativo, e sempre em comunidade.

    Veja a notícia do PS de Aveiro retirando a confiança política a Rui Soares Carneiro, clicando aqui.

    O Estado tem casas. Mas prefere deixá-las a apodrecer.

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    Num país onde falta tudo — professores, médicos, técnicos superiores, forças de segurança — menos retórica política, existe um património invisível que jaz em silêncio, emparedado pelo desleixo e pela amnésia: bairros inteiros do Estado, erguidos com dinheiro público para servir causas públicas, que hoje estão votados ao abandono. Não por falta de uso possível, mas por excesso de indiferença.

    No raio de cem quilómetros que rodeia a minha casa — e creio não viver numa excepção geográfica — encontro aquilo que deveria envergonhar qualquer ministro com ambições de boa gestão: o Bairro de São Gabriel, em Pegões, construído para acolher os funcionários da Emissora Nacional das Ondas Curtas, apodrece lentamente enquanto se proclama a transição digital e se clama por habitação condigna. Casas intactas por fora, esquecidas por dentro.

    Ali perto, em Marinhais, sobrevive o Bairro RARET, nas imediações de Glória do Ribatejo, uma aldeia de antenas, torres e lares funcionais que, no auge da Guerra Fria, serviu como bastião da propaganda ocidental em solo português, numa operação coordenada com a CIA para contrariar a influência soviética nos países da cortina de ferro. Foi ali que o Ocidente falou para o Leste. Hoje, é só mais um silêncio.

    Mais a sul, nas franjas de Vendas Novas, a vegetação reclama as estruturas do Bairro da Marconi, construído pela iniciativa privada da antiga Companhia Marconi, hoje totalmente ao abandono, apesar do seu valor patrimonial. E em Vila Fernando, junto a Elvas, o tempo venceu o Estado, enquanto os edifícios do antigo centro educativo esperam. Esperam pelo quê? Pelo colapso?

    E no Polígono Militar de Vendas Novas, as antigas casas destinadas às famílias dos militares do Regimento de Artilharia n.º 5 estão hoje ao abandono, como que a simbolizar a ruptura do contrato entre a Nação e aqueles que a serviram.

    Há um ponto comum a todos estes casos: nenhuma estratégia, nenhum inventário público, nenhuma política nacional de recuperação e afectação funcional deste património público ao serviço das classes do Estado que servem a República em regime de destacamento. Falo de professores deslocados, de médicos em mobilidade, de forças de segurança a quem se exige serviço em locais sem habitação acessível, ou sem qualquer tipo de apoio logístico. Em vez de lhes garantir o essencial, o Estado prefere empurrá-los para o desespero da renda de mercado, enquanto desperdiça património que já é seu. Que já é nosso.

    Quantos bairros mais existem por Portugal fora nesta situação? Quantas casas, escolas, pavilhões, estruturas mistas? Ninguém sabe. Porque ninguém fez o levantamento, ninguém criou uma base de dados nacional, ninguém pensou que o Estado possa – e deva – viver em articulação consigo próprio. A habitação dos professores deslocados poderia estar no antigo bairro da Emissora Nacional. Os médicos sem casa em Elvas poderiam viver em Vila Fernando. As forças de segurança em Vendas Novas poderiam usar as casas militares do Polígono. Mas não. O Estado vive como se fosse uma manta de retalhos, onde cada serviço ignora o outro, e onde a única coisa que se partilha é a decadência.

    Um país que abandona o seu património não abandona apenas pedras: abandona a sua história, a sua memória, e o seu dever. Um Estado que não cuida do que tem, jamais poderá cuidar do que quer construir.

    O problema não é técnico. É moral.

    É tempo de exigir, com urgência e sem demagogia, um levantamento nacional do património habitacional do Estado, com especial foco nos edifícios devolutos, nos bairros funcionais e nas antigas instalações públicas que possam ser requalificadas e colocadas ao serviço dos servidores públicos deslocados. Seria um acto de justiça, de poupança e de inteligência. Tudo aquilo que, infelizmente, temos deixado à porta.

    E o mais inquietante é isto: todos os exemplos que aqui dei estão apenas dentro do raio da minha residência. Cem quilómetros à volta. Imagine-se agora o que não haverá por todo o país, do Minho ao Algarve, da Beira Alta à Madeira. Não falta património. Falta vontade.

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